Outubro tem sido uma verdadeira revolução. O mês impôs mudanças enormes na minha vida deixando-me pouco tempo para os meus hobbies. Por isso, só hoje estou a publicar as sugestões de Outubro e a categoria para Novembro.
E chegou o último desafio. Foi o que menos gostei de escrever. Sinto a minha cabeça cansada e a escrita custou muito a fluir. A ideia do conto já estava na minha cabeça há alguns dias, mas é daqueles que funciona melhor na imaginação. Acho que não consegui materializar bem a ideia em palavras. Deixo-vos o melhor que consegui.
Agradeço à Elisabete e à Vera esta possibilidade de desenvolver histórias. Obrigada pelo vosso trabalho, pelo vosso incentivo... Obrigada pela vossa generosidade em partilhar a vossa paixão pela escrita com todos(as) nós.
Agora, o conto:
O que é bom acaba depressa
Deu-me uma bússola e um mapa. E agora, o que é que eu faço com isso?
― Estás a olhar para isso como se não soubesses o que isso é?
― Sei sim, capitão. Não sei é o que espera que eu faça com isto.
― Então marujo... É para descobrimos o tesouro. Temos de lá chegar primeiro que os piratas. Toca a pegar nos remos. E tu vais orientar a nossa viagem.
Pegamos nos nossos remos. Remamos com quanta força havia. O mar agitava-se à nossa volta. Tínhamos pressa de chegar.
Remamos…. Remamos…. Remamos… Parecia que nem saíamos do lugar. Mas de repente…
― Olha marujo, os piratas devem ter mandado alguém primeiro. Olha como ele faz buracos naquela zona da ilha. Vamos atracar e atacar o invasor.
Atracamos o nosso barco e saltamos para terra. Em silêncio, pé ante pé, lá fomos em direção de quem esburacava a terra em busca de um tesouro.
Saltamos e agarramo-lo. Pernas e braços confundiram-se no ataque. Não podíamos ficar feridos. O enviado resistia. Conseguiu escapar às nossas investidas e corria de forma desgovernada pela ilha. Nós fomos atrás dele. Corríamos, corríamos…. Mas ele era resistente.
― Capitão, Capitão! Vai ser difícil apanhá-lo. Ele corre demasiado depressa.
Paramos. O cansaço era grande. O nosso inimigo também parou. Olhou para nós. Parecia divertido por ver que estávamos cansados.
É então que ele começa a correr na nossa direção. Corre cada vez mais depressa. Salta para cima de nós e acabamos todos no chão….
******
― XAVIEEEEEEEEER! MATIIIIIIIIIIAS! É hora do lanche.
A mãe aparece à porta das traseiras. Os olhos arregalam-se perante a confusão que se instalou no jardim. Os miúdos e o Oliver estavam engalfinhados uns nos outros. As gargalhadas dos miúdos eram contagiantes. O Oliver, o cão da família, soltava pequenos latidos de alegria e, nos entretantos, não poupava as crianças de umas boas lambidelas.
O jardim esta um caos. A bacia, que outra tinha água limpa, estava meio vazia e com uma água um pouco escura. Ao lado jaziam vassouras e esfregonas. Assim como um mapa roubado do carro do pai e a bússola que Xavier havia recebido no Natal. Numa outra parte eram tantos os buracos feitos pelo Oliver que mais pareciam as crateras da lua.
― Meninos, podem dizer-me o que é que se passou por aqui?
Xavier e Matias libertam-se de Oliver e vão ter com a mãe.
― Bem, mãe… Só estivemos a brincar aos marinheiros e aos piratas. Andávamos à procura de um tesouro. Mas o Oliver fez demasiados buracos.
― Estou a ver!! Só quero saber é quem vai arrumar esta confusão e tapar os buracos.
A mãe olha para Oliver. O cão parece divertido. A língua ainda está de fora devido ao esforço da brincadeira.
― Mãe? – Xavier chamou a atenção da mãe que ainda estava concentrada em avaliar os estragos da brincadeira dessa tarde.
― Sim, filho.
Baixou-se para ficar ao nível deles e poder olhá-los nos olhos.
― Nós ajudamos a arrumar tudo e a tapar os buracos, mas…
― Mas?
Os dois irmãos trocaram um olhar de reconhecimento.
― Precisamos de uma piscina… Como uma daquelas que vimos no supermercado ao lado da casa da avó. É que navegar numa bacia é muito mau. Não temos espaço. Eu e o mano ficamos muito apertados. Batemos com os nossos remos uns nos outros.
A mãe abanou a cabeça e sorriu. Não havia nada a fazer. A imaginação fértil daqueles miúdos nunca iria acabar. E ainda bem.
― Prometo que vou pensar no vosso pedido.
― Tens de pensar rápido. Queremos o nosso mar antes que o verão e as férias acabem.
Soltou um suspiro e ergueu-se. Pegou nas mãos dos filhos e levou-os para dentro.
― Vá, vamos limpar o corpo da sujidade da vossa aventura e vamos lanchar.
Este tema não é desta semana, mas não estranhem. É normal eu ir respondendo aos temas de forma mais aleatória.
Para esta semana fiz uma lista de dez livros cuja leitura é da responsabilidade da Daniela.
"O psicanalista" de John Katzenbach - Perdi a conta às vezes que a Daniela me falava do seu fascínio por este livro. Andou muitos anos à procura dela. Há uns tempos trouxe-o da biblioteca e li-o. Ela já conseguiu o livro mais ainda não o leu, mas ela já sabe que anda a perder uma boa história.
"O cirurgião" deTess Gerritsen - Se não fosse a Daniela a enviar-me este livro eu iria demorar a conhecer as obras desta escritora. Infelizmente são livros pouco divulgados. Têm imensa qualidade, mas parece que passam ao lado de grande parte das pessoas.
"Harry Potter e a pedra filosofal" de J. K. Rowling - Eu não gosto de fantasia. Sei que são livros muito amados, porém eu nunca senti vontade de pegar neles. Numa das nossas trocas do empréstimo, a Daniela decidi colocar-me à prova e envia-mo. Se não fosse desta forma, muito dificilmente eu teria pegado nos livros para ler. Talvez o precisasse de ter lido mais cedo para construir uma ligação diferente.
"Cinder" de Marissa Meyer - Mais um de um género que foge da minha zona de conforto. Este chegou cá a casa quando dei carta branca à Daniela para arriscar. E ela lá arriscou. Não é um livro que me faça ir à procura. Eu gostei! O meu lado racional não permitiu que eu amasse.
"Deixa-me odiar-te" deAnna Premoli - Desconhecia este livro. Nunca me tinha cruzado com ele, nem com nenhuma opinião ao mesmo. Foi uma das boas surpresas que já me surgiu pelas mãos da Daniela.
"Romeu e Julieta" de William Shakespeare - O clássico que apesar de ter a intenção de ler, só o li mais rapidamente porque ela me enviou o livro.
"Às cegas" de Josh Mallerman - Foi muita a euforia em relação a este livro. Deste lado, pairava um certo desinteresse. Zanguei-me com o livro! Ia à procura de uma coisa que não encontrei.
"Confissões" de Kanae Mineto - Acho que de toda esta lista, este foi o livro que a Daniela ficou mais triste com a minha opinião (sim, eu sou perita em dar-lhe desgostos). Ela gostou bastante. Eu gostei, mas não me arrebatou. Não conseguiu produzir um grande encanto na minha pessoa.
"Agora és minha" de Mary Higgins Clark - Mais uma autora que só fiquei a conhecer depois da recomendação da Daniela. Ainda não voltei a ler obras da escritora, mas tenho vontade de ler mais.
"Estarás ai?" de Guillaume Musso - Este foi o primeiro livro que a Daniela me emprestou e marca, de certa forma, a nossa ideia dos empréstimos surpresas. Não conhecia o escritor (mais um), mas após esta leitura fiquei fã.
"O mapa do coração" foi uma leitura que se revelou uma excelente surpresa. Tinha lido a sinopse, mas não consegui perceber que a história deste livro incluía uma bela viagem ao passado.
Terminada a leitura, posso dizer que o título não é muito apelativo e acho que não ilustra muito bem aquilo que encontramos nestas páginas. O livro mistura um romance contemporâneo com apontamentos de acontecimentos que marcaram a ocupação de França pelos Nazis durante a Segunda Guerra Mundial. No presente e no passado há amores que foram eternizados em palavras e em fotografias.
O passado acabará por explicar o presente. Nestes dois espaços temporais cabem sonhos, segredos e elementos que precisam do seu tempo para serem resolvidos. E todo o encaixe entre passado e presente foi ganhando forma e encantou-me pelos pequenos detalhes que marcam o desenrolar dos acontecimentos.
Passado e presente, o que é que eu gostei mais? Passado, sem dúvida alguma. A história de Lisette é intrigante. A autora jogou muito bem com essa intriga dando informação de forma espaçada para que a expetativa nascesse no interior do leitor. E, nos pedaços de história que vão sendo oferecidos, conhecemos uma mulher cheia de garra e inteligência. Soube-me a pouco. Precisava de mais páginas a narrar a vida desta mulher. Não tem muitos elementos históricos. Surgem apenas os suficientes para contextualizar a época e as atitudes e comportamentos das personagens. Foi uma contextualização importante, da qual gostei muito e que me permitiu conhecer outro lado de um episódio negro da história mundial.
O presente é protagonizado por Camille, uma mulher transformada pela morte do marido. É uma personagens interessante. Porém, acho que só a compreendi verdadeiramente depois de perceber os acontecimentos que culminaram na morte do marido. O romance construído em torno desta mulher é previsível, mas em nada afetou o prazer da minha leitura, ou seja, a previsibilidade não lhe retirou o encanto.
Julie, filha de Camille tem um papel bastante importante no livro. Através desta jovem conhecemos lugares menos bonitos da adolescência. Conhecemos o impacto do bullying (acho que o tema careceu de uma melhor abordagem para que pudesse tornar-se mais expressivo; a resolução deste problema adotou alguns aspetos que me deixaram apreensiva) e a libertação do sofrimento que advém de uma realidade tão séria e capaz de arruinar a auto-estima de qualquer pessoa.
Houve ainda espaço para outro tema importante: a homossexualidade. Foi uma abordagem subtil, mas com um enorme significado na resolução de alguns conflitos da narrativa. Gostaria de o ver mais desenvolvido, manifestado numa caracterização psicológica e social mais complexa.
Há muitas coisas que fazem a ligação entre passado e presente, mas a mais interessante é a fotografia. Quantas memórias uma fotografia pode guardar? O que é uma fotografia pode eternizar? Que magia nasce nos olhos de quem vê uma fotografia de um passado distante sem lhe conhecer o contexto? Estas questões são explicadas na narrativa deste livro. Estes elementos trouxeram-me um pouco de magia e positividade. Eu não gosto de ser fotografada, mas gosto de fotografias pala sua capacidade de desencadear histórias e memórias.
É um bom livro para fugir da realidade. A possibilidade de podermos viajar para o sul de França, num verão quente e a possibilidade de olhar para as águas do Mediterrâneo e de sentir o perfume da lavanda foram sensações dolorosamente boas. Escrevo dolorosamente porque estava a sentir à distância. O real desejo era estar lá.
Foi a minha primeira experiência com a escritora Susan Wiggs. Dada a boa experiência de leitura fiquei com vontade de conhecer mais obras da escritora.
Classificação
Nota: O ebook foi-me disponibilizado pela editora em troca de uma opinião sincera.
Já é tarde de mais. Eles querem vingança. Não tenho escolha senão fugir. Aquilo que eu fiz é irreversível, assim como os danos do passado. Pensei que estavam apagados da minha mente. Afinal, estavam apenas adormecidos. Estavam marcados em mim. Estavam guardados no meu inconsciente à espera que algo os ativasse. Hoje foi o dia…
8 horas antes
― Enfermeira, pode chegar à sala três? Olho para a Dona Firmina e noto-lhe a tensão nas linhas do rosto. ― Algum caso grave? Dona Firmina acena afirmativamente com a cabeça. ― Retirei-as da sala de espera. Não consegui deixar aquela criança ali, pareceu-me tão desprotegida. Aquilo estava a intrigar-me. Levanto-me e vou ver o que tanto inquietou a senhora da secretaria. Sentada na marquesa, uma criança magra e de cabelo revolto fitava-me. Os olhos grandes e inexpressivos cruzaram com os meus. Estavam sem vida e sem a tão característica inocência infantil. Ao lado, uma mulher ligeiramente furiosa, zangada. Estava impaciente, andando de um lado para o outro. Só parou quando me viu. Aproximo-me da criança. Deve ter uns dez anos. Tento tocar-lhe, mas ela retrai-se. Viro-me para a mulher. ― Quem é esta menina? O que é que lhe aconteceu? ― Essa fedelha é minha filha. Cheguei do trabalho e encontrei-a no quarto encostada a um canto, nua e com sangue a escorrer-lhe pelas pernas abaixo. Quase de certeza que foi o período que lhe apareceu. – A mãe olha para a filha e solta um riso escarninho, de gozo perante o sofrimento da filha. ― Mas sabe o que é que ela disse? Que era o pai que lhe andava a fazer mal! Acha isso normal, senhora enfermeira?! O meu marido é um homem maravilhoso!! Cuida de mim como ninguém, ama os filhos de forma incondicional e esta fedelha decide denegrir a imagem do pai
Olho para aquela criança e reconheço os sinais. Os sinais de quem sofre há muito, em silêncio. O sofrimento que nasce de um medo que nunca acaba. O sofrimento que nasce num coração de quem sabe que ninguém irá acreditar nela. Apetece-me abraçá-la, mas sei que ela se sente tão suja que não permitirá a minha aproximação. Não preciso que aquela criança me verbalize algo que confirme aquilo o que a mãe disse. Esta criança disse a verdade, uma verdade que mãe não quis ver. Uma mãe vazia de afeto. ― Vou ter de chamar a polícia e a assistência social. ― Mas está a gozar comigo? Observe a miúda e veja se é mesmo o período ou se está com alguma infeção. Quem nos garante que ela não andou a brincar com as suas partes intimas e foi um pouco longe de mais. – ri-se perante a perspetiva da filha ter-se masturbado. - Olhe , já agora ensine-lhe como se usa um penso ou um tampão, porque eu não tenho jeito para isso.
Termina de dizer isto e olha para mim. Percebe o meu choque. ― Não ouviu o que eu lhe disse? Vá despache isto para irmos embora. ― Desculpe, mas não sairá daqui enquanto as autoridades competentes não chegarem – viro-me para a Dona Firmina. Vejo-lhe as lágrimas nos olhos. – Por favor, Dona Firmina ligue para a polícia e passe a chamada para esta sala.
Depois do telefonema tudo se processou de forma rápida e eficiente, com alguns gritos e resistência à mistura. Mãe e criança foram levadas para o Instituto de Medicina Legal para as perícias e o meu envolvimento com o caso terminou aqui. Porém a minha memória atraiçoou-me e transformou-me naquela criança assustada que sofreu nas mãos de um tio porco e sem escrúpulos. O sofrimento apoderou-se de mim. Foi como se uma mão com grandes unhas se cravasse no meu coração fazendo-o sangrar e doer. Há anos que terminei o contacto com o monstro, mas sabia onde ele andava. Sabia que ele continuava a viver a sua vida como se nada tivesse acontecido. E se ele tornou a fazer mal a alguém? Este pensamento começou a corroer o meu pensamento. Entranhou-se em mim e semeou um enorme sentido de vingança. Estes anormais tinham de ser eliminados da face da terra. Terminei o turno e fui para casa. Não tinha pressa de chegar, porque sabia o que iria acontecer a seguir. Cheguei e nem desliguei o carro. Fui à garagem pegar no revólver que tinha no cofre. Carreguei-o com duas balas. Voltei para o carro e deixei que a minha dor me levasse.
Uma hora depois estacionava em frente da casa mais triste da minha infância. Saí do carro, fui para a porta e toquei na campainha. Só ele viria abrir a porta. Era viúvo há um par de anos. Os passos dele soavam cada vez mais perto da porta. Ouvi a chave rodar na fechadura. Ele abriu a porta e o olhar de reconhecimento foi embaciado com o medo de me ver ali. Isto fez-me sorrir. Ergui o revólver e ofereci-lhe um tiro em cheio na testa. Não houve palavras, porque há dores que não cabem nelas.
Agora Depois do meu ato de coragem, regressei a casa. A adrenalina foi substituída pelo medo. Sabia que os meus primos viriam atrás de mim. Foram anos de guerras familiares inconclusivas e sabia que na cabeça deles estava o que o meu eu adolescente tantas vezes repetiu em voz alta para que todos ouvissem: Um dia mato-te.
Estou fechada no meu armário. Para me safar, tenho de fugir. Contudo, sei que para onde quer que eu vá irei sempre carregar o peso dos abusos. Tê-lo matado não me pesa a consciência, muito pelo contrário, libertou-a!
A segunda bala não foi um acaso. Eu sabia que ia terminar assim. Ergui a arma até à minha têmpora. Apertei o gatilho. Chegou a minha libertação, a minha fuga.
Só pode! Como é possível cruzar-me com este rosto tantas vezes em poucas semanas. Não percebo nada do que ele está a dizer.
A Manuela dá-me a mão e aperta-a. Não consigo sentir conforto nem serenidade. Este rosto persegue-me. O que é que este homem quer de mim?
Não gosto quando a minha mulher sorri para ele. Não gosto quando ela olha para ele com aquele olhar. Sabem aquele olhar cúmplice que trocamos com alguém que conhecemos há muito tempo? É esse tipo de olhar que vejo nos olhos da minha mulher. Isso assusta-me ainda mais. Porque eu não conheço esta pessoa. Só me lembro de o ver muitas vezes nos últimos meses e das conversas vagas em que pouca informação processo. Viro-me para ela e, muito baixo, falo-lhe ao ouvido.
— Querida, onde estamos? Quem é esse homem? O que é que ele quer de mim, ou de nós?
Outra vez o olhar cúmplice.
Já sei! É alguém me que vai levar para outra dimensões e está cúmplice com a Manuela. Ela já não me quer lá em casa. Sou um estorvo para ela. Por isso anda em negociações com alguém de outra dimensão só para se ver livre de mim. Já nem se preocupa em responder as minhas questões.
Começo a ficar agitado. Tenho vontade de gritar. Esta sala começa a ser pequena demais para o meu sufoco. A mão da minha esposa começa a escorregar da minha que começou a ficar encharcada de suor. Ela apercebe-se da minha aflição e vira-se para mim.
— Está quase querido. Prometo-te que as coisas vão mudar. Prometo-te que vais ficar bem.
Aperta-me o braço e sorri. Não acredito nela. Já não acredito naquilo que ela me diz. Vou ficar bem! Mas quem é que lhe disse que estou mal? Claro, só pode ter sido ele… O detentor daquele rosto que me persegue e que me quer levar daqui. Vai sugar-me o cérebro, desidratar-me a pele, transformar-me numa múmia. É isso, ele quer que eu morra, mas não quer que a minha alma parta, vai aprisionar-me mumificando-me.
Levanto-me. Começo a andar de um lado para outro. Dou pontapés na parede, na secretária. Tenho vontade de socar aquele rosto que me persegue. Será que com aquele olhar ele pode ler o que vai na minha cabeça? Que estúpido, claro que consegue!! Ele já vem na minha direção para me impedir de lhe bater.
— NÃO ME VAI LEVAR PARA A OUTRA DIMENSÃO, OUVIU? NÃO VAI APRISIONAR A MINHA ALMA!! NÃO DEIXES, MANUELA. – grito ao mesmo tempo que me tento libertar do aperto dos braços dele.
— Tenha calma, Sr. Lourenço. Vai ficar tudo bem.
Vejo a minha mulher a chorar.
— Porquê é que permitiste isto, Manuela. Não deixes que me levem para a outra dimensão, por favor. Não deixes que me roubem a essência! Ele vai matar-me.
Entram mais pessoas na sala. Pessoas que estão cúmplices deste rosto, porque se acercam de mim e injetar-me qualquer coisa na veia.
É agora que me vão levar. Sinto as forças do corpo a deixarem-me. Luto contra o sono que se apodera de mim, que me aferroa os sentidos. Não consigo mais e deixo-me ir.
***
Sinto-me cansado quando tento abrir os olhos. Pestanejo várias vezes até conseguir focar o espaço. Ao pé de mim, Manuela dormita na cadeira.
Estou no hospital e não sei como vim aqui parar.
— Sente-se bem, Sr. Lourenço? – Uma enfermeira vem ao pé de mim e observa as máquinas à minha volta.
— Estou com muito sono e dói-me a cabeça. Tenho muita fome e muita sede.
A enfermeira simpática sorriu-me.
— É normal, senhor Lourenço. Em breve poderá comer e beber e a dor na cabeça é por causa da operação.
— Operação? – questiono ainda com a voz entaramelada, provavelmente da anestesia que levei.
— Sim. Retiram-lhe um tumor do cérebro. Conseguiram remover tudo! Não terá mais alucinações, não irá confundir mais ninguém. Precisa de um meses para recuperar e tudo ficará melhor.
O rosto, aquele rosto familiar entra pela sala. Afinal era apenas o neurocirurgião que me libertou de um mundo louco.
"Cassiopeia" surpreendeu positivamente a Daniela. O entusiasmo dela foi grande e eu acabei por ir um pouco atrás do entusiasmos dela. Eu confio nas opiniões da Daniela e, por isso, esperei ser surpreendida. Infelizmente, a minha experiência com este livro foi menos entusiasmante comparativamente à dela.
Cassiopeia é o nome da protagonista. Uma jovem que, aos 30 anos, sofre um enfarte e fica em coma. Enquanto ela se encontra neste estado, viajamos até diferentes períodos da sua vida, conhecemos as pessoas mais significativas e de que forma vão decorrendo as visitas que vai recebendo.
A escrita da Joana Ferraz é muito boa. As palavras encaixam-se de forma clara e envolvente. Vi nestas páginas uma fantástica capacidade em narrar os acontecimentos ao mesmo tempo que consegue captar o leitor.
Afinal, o que é que não funcionou comigo? O conteúdo. Não consegui estabelecer nenhuma conexão com a história nem com a Cassiopeia. Alguns elementos da narrativa não me fizeram muito sentido, nomeadamente: a depressão da mãe após o divórcio, muito por causa de um conjunto de revelações feitas no final do livro; e a viagem a Badajoz para fazer algo que já era possível ser feito em Portugal. Cassiopeia é extremamente imatura, senti isso em cada passagem do livro, e isto foi mais um elemento que dificultou a minha aproximação às personagens e a tudo o que ia acontecendo.
Senti que foi uma leitura desligada. Lia sem me sentir envolvida. Lia sem sentir que fazia parte daquelas vidas. Lia com uma distância emocional tão grande que me impediu a aproximação a tudo o que se ia passando naquelas páginas.
O final baralhou-me ainda mais as ideias. É um final aberto em que cada leitor poderá retirar as suas próprias conclusões. Fiquei um pouco aborrecida com este final, principalmente por causa de todas as revelações finais que oferecem uma nova perspetiva relativamente à vida de Cassiopeia.
Foi uma leitura satisfatória. Não me proporcionou um grande entusiasmos, mas gostei de ler e de conhecer um trabalho de uma nova escritora portuguesa. Considero que este livro é daqueles que apesar de não ter funcionado muito bem comigo poderá funcionar com outros leitores. Estamos na presença de um livro bem escrito, por isso é a subjetividade relacionada com a relação que o leitor constrói com a história que irá determinar o seu gosto por esta história.
Em suma, este livro não funcionou tão bem comigo, mas poderá funcionar melhor contigo. Por isso, não te inibas de apostar neste livro.
A Ana lança sempre desafios de escrita maravilhosos. Tenho alguns em atraso, mas espero recuperar e participar nos desafios lançados.
Desafio: escrever sobre um dia de chuva, no máximo, 100 palavras.
O céu pintou-se de cinzento. As nuvens, carregadas de água, ansiavam pela libertação; cá em baixo, a natureza sufocava com o calor.
A libertação chegou. Do céu brotaram gotas gordas que afagaram aqueles que a esperavam.
Lúcia saiu à rua e ergue o rosto para receber na face a carícia da água. Fechou os olhos para absorver o som das gotas a despedaçarem-se no chão, o cheio de terra seca que ganha vida… Rodopiou ao som da música aquática que se enriquecia com alguns trovões. Dançar à chuva era sinónimo de vida e libertação. A chuva lava-lhe a alma.