Aventuras-te a escrever ? | Ser mulher
Lisboa, 1910
Sou mulher e não me sinto livre. Tive acesso à melhor educação, mas não posso exercê-la porque o meu papel é fazer um bom casamento e gerir a casa e cuidar do meu marido. Quer ser livre, quero escrever para o jornal.
Estou sentada, a beber o meu chá. Aproveito para ler o jornal enquanto estou sozinha.
– Outra vez a ler o jornal, Adelaide? Isso não é ocupação para si.
Reviro os olhos e suspiro antes de me voltar na cadeira para encarar a minha mãe. Opto pelo sorriso plácido e submisso que tanto derrete o coração da minha mãe.
– Senhora minha mãe, não há mal nenhum em ler notícias e perceber o que passa além dos muros da nossa propriedade.
– As mulheres não precisam de se preocupar com aquilo que passa fora das paredes das suas casas. Aliás, a gestão doméstica é ocupação suficiente.
A minha mãe analisava a sua manicure enquanto divagava sobre as funções femininas e a gestão doméstica. Enquanto a ouvia, pensava naquilo que tinha visto na última página do jornal: queriam pessoas que escrevessem para o jornal. Na minha cabeça pensava nos temas sobre os quais gostaria de escrever. Queria escrever sobre muitas coisas, mas as questões políticas e o clima tenso que se vivia no reino faziam com que a minha cabeça fervilhasse.
– Adelaide, ouviu o que eu lhe disse?
Tinha-me perdido nos meus pensamentos que desliguei da conversa da minha mãe.
– Peço desculpa, minha mãe! Estava a pensar no que vestir para o baile de primavera na casa do Marquês.
Sorri por dentro ao ver a minha mãe sorrir. Sabia que este era o tema certo para desviar a sua atenção sobre os meus verdadeiros sentimentos.
– Será uma festa maravilhosa. Cheia de cavalheiros distintos que Adelaide deverá conhecer.
– Não duvido minha mãe. Se me dá licença, vou retirar-me para o meu quarto. Estou a sentir-me um pouco cansada.
Minha mãe assentiu com a cabeça. Levantei-me e fui para o meu quarto. Fui direta à minha escrivaninha peguei numa folha de papel e no meu lápis. Ia escrever o meu primeiro artigo para o jornal.
Decidi que para o meu primeiro artigo iria escrever sobre o ensino e a importância do país escolarizar todas as pessoas.
Na minha opinião todas as pessoas deveriam aprender a ler. Deveriam ter a oportunidade de serem instruídas. Era importante alfabetizar todas das pessoas. Ricos e pobres deveriam de ser capazes de ler os jornais, as revistas, os livros… Depois de escrever revi o meu texto, tarefa que me ocupou até à hora de jantar. Amanhã iria ao jornal apresentar o meu artigo para ser publicado.
O dia amanheceu fresco. Estava com pressa de sair e de ir ao jornal. Não me queria cruzar com ninguém e ter de dar explicações sobre a minha saída. Consegui tomar o pequeno almoço sozinha e sair sem que me cruzar com a minha mãe.
A redação do jornal ficava numa rua próxima de minha casa, por isso segui até lá a pé. Entrei no edifício, subi a escada e pedi para falar com o responsável. Um senhor muito simpático indicou-me a porta do gabinete de quem eu procurava. Bati à porta e entrei.
– Bom dia! Posso entrar? – Do outro lado o homem respondeu-me com um gesto que me incentivada a entrar. Eu entrei e continuei. – Chamo-me Adelaide, vi o anúncio no seu jornal que pediam pessoa para escrever artigos para o jornal. Eu gosto muito de escrever e queria que o senhor visse o meu artigo e me dissesse se era possível publicá-lo.
– Com certeza menina Adelaide.
Ele estendeu a mão e eu dei-lhe a folha que continha o meu trabalho.
Vi pequenas rugas a desenharem-se na testa do homem enquanto lia o meu texto. Algumas expressões sugeriam que ele estava a gostar do que lia. Ele terminou e olhou-me nos olhos.
– O seu artigo está muito bom, mas eu não posso publicá-lo.
– Não pode? Como assim?
– Menina, o anúncio era dirigido apenas aos cavalheiros. Não aceitamos artigos escritos por mulheres.
Queria protestar, mas aquilo tinha-me deixado sem energia. Parece que a única regra para ter voz na sociedade era ser homem. Que poderia eu fazer? Afinal, ser homem era a única regra.