Opinião | "Sorrisos quebrados" de Sofia Silva (Quebrados #1)
Classificação: 1 Estrela
Nota: Esta opinião contém spoilers
Desde já quero pedir desculpa aos meus leitores pelo uso de spoilers na opinião a este livro, mas não os consigo evitar. Quero fundamentar muito bem a classificação que atribui e que poderá surpreender-vos, uma vez que é um livro muito bem cotado no Goodreads e já conquistou imensos leitores.
Assim que saiu este livro admito que fiquei curiosa com a história, ou não fosse eu uma fã de romances com drama à mistura. A Denise foi uma querida e emprestou-me o seu exemplar (depois da experiência dela, acho que ela queria era ver-me a destilar frustração e impaciência - brincadeira).
Comecei a leitura já um pouco reticente. Aquele entusiasmo inicial diminui à medida que a Denise partilhava comigo algumas das suas impressões sobre o livro.
Visão geral do livro
Este livro tem uma das edições mais bonitas que já me passou pelas mãos. A capa está muito bem conseguida e o interior acompanha esta delicadeza. Mas a beleza do livro fica por aqui. Com uma escrita mediana, cheia de frases feitas e detentoras de uma filosofia barata que nos transforma os diálogos numa experiência surreal. Nós não comunicamos com as pessoas usando, constantemente, frases que parecem retiradas daqueles livros de citações. Este estilo de escrita fica pior nos diálogos. Quando é narração uma ou outra frase destas, inserida de forma correta e com sentido, não me atrapalha. Já nos diálogos faz-me trepar paredes por me sentir afastada da história, pois tudo me soa artificial.
A partir de agora vão começar os spoilers...
Depois de partilhar com vocês esta visão mais geral tenho de destacar certos aspetos da história que a tornam pouco credível aos meus olhos. Sim, eu sei,é um livro e não a realidade. Mas quando escrevemos um romance com características contemporâneas ou inserido no género YA, ou mesmo numa romance de época não queremos que ele pareça real aos nossos olhos? Eu gosto de sentir essa aproximação à realidade. Gosto de me apoderar da história e pensar fogo isto parece mesmo que está a acontecer aqui ao meu lado.
O prólogo tem logo um conjunto de situações mal explicadas. Paola decide fugir do marido violento, que está em casa, pois ela até sabe quais as escadas evitar para que não seja ouvida pelo marido que está... não sei onde, mas pelo comportamento da nossa personagem feminina ela sabe onde ele está. Mas, qual milagre ou poder do teletransporte, ele aparece-lhe no carro. Podem dizer, que há vários caminhos para ir para o carro, que ela não se apercebeu... A mim parece-me pouco credível pela forma como ela descreve o seu percurso até ao carro. Então o Roberto está sentado na parte traseira do carro e consegue agredi-la dali com uma facilidade que me deixou a pensar (sim, fui-me colocar na parte traseira do carro para testar). Poderia ser possível, mas os movimentos ficam muito limitados e tendo em conta a estrutura física da Paola não acho que tenha sido a opção mais correta.
A narrativa avança e temos a Paola numa clínica. Não consigo perceber de onde vem o dinheiro para a Paola ficar tanto tempo numa clínica. Dá a sensação que ela é uma "dondoca" que nunca precisou de fazer nada na vida e que os pais financiam todas as suas necessidades. E depois a "clínica" é um tanto ou quanto irreal ao misturar pessoas com incapacidade física com a pessoas que estejam a lutar contra traumas e sofrimento psicológico muito específicos. Geralmente, não se misturam estes grupos em comunidades terapêuticas, uma vez que as necessidades são muito diferentes. Mais um ponto que não abona para a criação de uma cenário real. Também aqui assisti a uma das conversas mais estranhas entre a Paola e o seu psicólogo. Foi uma espécie de consulta, com os diálogos cheios de frases feitas, sem realismo, sem emotividade e sem expressividade. E claro, era uma "clínica" tão descontraída que até permitia que os pacientes recebessem visitas no quarto e até dessem umas cambalhotas na cama.
O André também me causou muita comichão mental. Ele transpira sexo por todos os lados do corpo. Só procura a Paola para sexo, ou para sexo e depois para uma espécie de conversa. Nunca senti o carinho e amor a nascer entre os dois, nunca vi aquela relação crescer com diálogos, momentos de interação realistas... Entre eles, era tudo uma questão física. Houve um momento em que o meu cérebro parou!! Quando li a passagem em que o André experimenta um sexo algo selvagem, com direito a palmadinhas. Como é que uma mulher, sujeita a tamanho sofrimento numa relação abusiva e cheia de violência, consegue sentir prazer com uma experiência sexual tão dura e exigente (logo num dos primeiros encontros)? Sei que cada caso é um caso, mas a probabilidade de tal acontecer na realidade é ínfima. Não gostei deste André, não gostei da forma dramática que a autora o pintou. Era um homem que vivia para o trabalho, para a filha e para o sexo. E é isto que nos oferece esta personagem. Para mim, tornou-se vazio e sem empatia nenhuma.
A dinâmica entre André e Paola não é muito cativante e só piora com a tentativa de provocação de ciúmes com o Jorge. Ah! O Jorge é outra alma quebrada, que apenas serve para introduzir mais drama e não trazer nada de novo e significativo à história e às personagens.
A Sol é uma criança amorosa. Gostei de algumas coisas dela e de algumas intervenções dela, mas a carga dramática que lhe foi atribuída não faz sentido. Ela foi vítima de negligência física e emocional grave quando ainda era uma bebé de colo. Felizmente, não ficam memórias desse género em bebés. É irreal o contexto que a escritora criou. Teria feito mais sentido se ela pegasse por possíveis marcas físicas no corpo! Como ela descreve que a menina foi queimada com pontas de cigarro, poderia ter explorado por aí, criado algumas inseguranças, jogar com o facto de pertencer a uma família monoparental, onde a mãe está ausente. Agora torná-la numa criança antissocial e atribuir como causa desse comportamento algo que ela vivenciou com meses de idade, não faz sentido.
A explicação para o facto de ela não ser filha do André também não é convincente. Tenho casos na família em que os avós são morenos de cabelo castanho, o mesmo acontece nos pais e os filhos nascem loiros e com olhos claros. A genética não é algo tão linear-
A explicação para o facto de ela não ser filha do André também não é convincente. Tenho casos na família em que os avós são morenos de cabelo castanho, o mesmo acontece nos pais e os filhos nascem loiros e com olhos claros. A genética não é algo tão linear-
Por fim, quero escrever sobre o contexto social criado pela autora. Acho que ela faz uma mistura entre o contexto português e o brasileiro. Não está bem clara essa caracterização. No Brasil, até há uns tempos atrás (agora não faço ideia como esteja) os estudos universitários eram gratuitos. Vi muito gente vir para Portugal com boas bolsas de doutoramento e com tudo pago. Pelo que me contavam só pessoas de nível socioeconómico muito baixo, que vivem em favelas é que facilmente abandonam os estudo. Posso estar enganada, mas dado o lugar onde o André e os pais viviam não me parecia uma zona de famílias com poucos recursos. Eu colocá-lo-ia na classe média-baixa aqui em Portugal. Teriam apoios e ele poderia estudar. A questão dele não ter terminado os estudos por causa da Sol, também está mal explicada. Quando a criança nasceu ele já tinha idade suficiente para ter terminado o curso. Acho que houve aqui uma falha de cálculos.
Fim dos spoilers!!
Faltam muitas coisas a este livro. Aspetos que um bom trabalho de revisão por parte de um leitor beta teria ajudado a autora a esclarecer e completar. É normal ficarmos muito ligados à nossa história e não darmos conta de algumas imperfeições. Aliás, quando não temos conhecimento de causa acerca dos temas acabamos por utilizar uma versão romanceada ou conduzir a narrativa através de erros sucessivos.
A autora precisa de perceber melhor a diferença entre o contar e o mostrar. Ela conta muito e mostra pouco e isso não satisfaz um leitor assíduo. Escrever: Roberto deu-me um estalo na cara é diferente de Eu tentava desviar-me das investidas do Roberto. A sala era um labirinto demasiado simples para que eu me pudesse esconder. E, quando menos esperava, uma mão forte e certeira atingiu o o meu lado esquerdo da face. A sua passagem deixou o calor, o ardor e vermelhidão de uma mão que só conhecia a força da violência. Na minha cabeça ficou a humilhação de, mais uma vez, sucumbir a essa mesma violência.
Deve pesquisar mais e melhor sobre os assuntos que quer retratar no livro para que não caia em incongruências e coisas irrealistas.
Não é um livro sobre abusos físicos e violência doméstica. Considero que seja um livro de superação dos traumas, de viver a felicidade para além do do sofrimento.
Esta opinião não é um destilar de veneno. Quero que ela seja útil a quem a lê, quero quebrar um bocadinho o feitiço de encantamento e a sobrevalorização que está a ser criada em volta do livro. No fundo, é a minha visão dos acontecimentos é o meu desencanto por um livro que prometia tanto e que os leitores me fizeram acreditar que valia esse tanto.
Nem sou muito de expor as fragilidades de um livro assim, em opinião. Quem já levou com a minha caneta azul da censura em revisões de leitora beta sabe que eu não perdoou. Acho que chego a ser um pouco obsessiva com a história e desconstruo muito do que é escrito. A minha intenção é sempre ajudar a tornar os livros melhores e mais realistas.
Não sei se a Sofia vai ou não ler a minha opinião. Se a ler e achar ofensiva, peço desculpa por isso. Quero apenas escangalhar-lhe este livro para que ela tenha hipótese de mudar no futuro e eu ter a oportunidade de vir aqui escrever e vibrar com a evolução dela.
Aos meus leitores, as maiores desculpas pela imensidão de texto que aqui mora.