Opinião | "Procuro-te" de Lesley Pearse
Este livro teve o dom de me deixar a pensar nela durante alguns dias. É uma história intensa, cheia de contornos que são extremamente actuais, embora sejam narrados num tempo anterior a este.
Em primeiro lugar gostaria de salientar um aspecto negativo deste livro: a segunda parte do título. A segunda parte do título remete-nos para a vida de Daisy que foi dada para a adopção com poucas horas de vida, mas, segundo o meu ponto de vista, não ocupa a posição central deste livro. Acho que a mãe biológica de Daisy, Ellen, e a tia Josie (meia irmã de Ellen) assumem um papel com maior relevância.
Ellen e Josie eram meias irmãs e viviam numa casa com más condições. A mãe de Ellen suicidou-se quando esta era criança (cerca de dois anos) e o pai, apanhado pela fragilidade, envolve-se com uma mulher gananciosa que engravida e, dessa gravidez, nasce Josie. Ellen sempre foi muito discriminada por parte da madrasta, era inteligente, gostava da quinta e de trabalhar nela e o pai adorava-a, aspecto que muito enfurecia a madrasta de Ellen. Quando adolescente envolve-se com um artista de circo e engravida. Esconde esta gravidez da família indo trabalhar para outra cidade. Contudo vê-se obrigada a dar a filha para a adopção. Josie, aos 15 anos foge de casa para se tornar modelo.
Josie e Ellen sempre foram muito unidas, mas as suas personalidades e os seus objectivos eram diferentes. Josie procurou fama e dinheiro e acabou por entrar no beco da droga e da prostituição. Afundou-se num mundo cheio de contornos escuros, que arruinaram a dignidade e a ingenuidade que ela tinha. Atrás de si, arrastou a família que, sem querer, viu a sua pobreza exposta nos jornais. Destruiu-se física e psicologicamente, este período da sua vida contribui para delinear a sede de vingança e ressentimento em relação à sua família. A família passou a ignorá-la, excepto a irmã que durante muito tempo a acolheu, safando-as dos mais diversos problemas. Mas até esta boa relação com a irmã a Josie conseguiu destruir.
O livro acaba de uma forma surpreendente! Daisy acaba por procurar a sua mãe biológica e desvenda um mistério que ficou enterrado durante muitos anos. É um livro em que todas as personagem procuravam alguma coisa. Daisy procurava ordenar a sua vida e encontrar algo que gostasse de fazer; Josie procurava dinheiro e uma vida descansada longe dos homens (a quem ganhou aversão); Ellen procurava a felicidade na sua forma mais pura, ou seja, um trabalho digno em que lhe oferecesse rendimentos que lhe possibilitassem viver; o pai de Ellen e Josie procurava a paz de espírito, paz que perdeu após a morte da sua primeira esposa (apenas Ellen representa um pouco de paz na sua vida); e, por fim, a mãe de Josie que procurava conforto, boa vida e dinheiro (valores que passou para a filha e que contribuíram para a soma de desgraças que Josie viveu).
Confesso que a vida de Josie me deixou a reflectir. Tem descrições que nos provocam imagens muito vividas do horror por que ela passou, as coisas com que ela teve de lidar enquanto modelo. A leitura destes acontecimentos fez-me pensar sobre aquilo que as pessoas são capazes de fazer por um pouco de fama. São meios complexos onde, segundo o meu ponto de vista, as pessoas que neles entram necessitam de uma boa dose de responsabilidade e maturidade para saber transformar as oportunidades em boas oportunidades e conseguir detectar as pessoas certas e as erradas que vão circulando pelo mundo da moda.
É certo que estes acontecimentos contribuíram para que Josie se tornasse numa pessoa diferente da criança ingénua que tinha crescido na quinta. E embora não existam razões lógicas que justifiquem aquilo que ela fez no final, todas estas vivências fornecem-nos uma dimensão que enquadra o seu comportamento. No fundo, Josie só conheceu a felicidade enquanto era criança e vivia na quinta. Por outro lado, Ellen, embora carregasse a tristeza por ter dado a filha para adopção, procurou sempre a felicidade nas mais pequenas coisas e, com esta atitude acabou por conquistar a sua madrasta.
É um livro que vale a pena ser lido.