Opinião | "A sibila" de Agustina Bessa-Luís
Já há muito tempo que queria experimentar um livro de Agustina Bessa-Luís, mas faltava-me a coragem. O medo de não gostar, a sensação de que seria um livro difícil de compreender e ter no pensamento a ideia de que seria um livro demasiado erudito e incompreensível eram motivos que ia dizendo a mim própria e que me iam impedindo de ler o livro.
"A sibila" é a história de Quina. Um mulher com infância dura vivida em ambiente rural e numa época em que a pobreza se sentava à mesa com as famílias portuguesas. A criança deu origem a uma mulher estranha, dura e que fez frente à ditadura masculina que imperava por aquelas bandas. Confesso que isto foi o que mais gostei! Assistir à forma como Quina se tornou senhora das suas terras e do seu mundo foi apaixonante. Continua a ser uma mulher estranha para mim, porque acho que não conseguir aceder a todos os seus lugares interiores. Também me aborreceu um bocado com algumas das suas atitudes, mas tudo isto a tornou muito humana aos meus olhos. Uma personagem cuja complexidade se adensa à medida que se avança na leitura, daí continuar estranha aos meus olhos.
A partir de Quina entramos num mundo da gestão de terras, de amizades incomuns para época e de guerrilhas famílias muito típicas. É uma realidade que não se afasta muito dos tempos de hoje, mesmo vivendo no século XXI. Também hoje continua a ser estranho (para algumas cabeças, felizmente menos do que no tempo de Quina): uma mulher ser solteira, sem filhos e viver bem com isso; uma amizade entre uma mulher e um homem; e a gestão no feminino não merece a mesma valorização do que se fosse no masculino.
Estes são os elementos que compõem a narrativa. Não há um problema específico para ser resolvido ou um conflito narrativo para ser explorado. O livro é uma narração de um tempo e de um espaço onde uma mulher vê a sua inteligência vingar, onde aparecem famílias e lugares, pessoas que se cruzam nos caminhos umas das outras. É uma história de vida, com poucos afetos à mistura e onde a a ruralidade e a rudeza de vidas se interpõem ao amor romântico.
Apesar de ter gostado, reconheço que não é um livro simples de ler. A escrita é complexa, a linguagem é trabalhada e com um vocabulário com palavras "caras" (fui ao dicionários algumas vezes). No meu caso, estas características apenas tornaram a minha leitura ligeiramente mais lenta, porque precisava de dar mais atenção às páginas que ia lendo. O interesse em ir descobrindo mais sobre Quina e as relações que ela estabelecia com a família e com os habitantes da aldeia sempre estiveram presentes enquanto ia lendo o livro.
Um comportamento que foi muito importante para mim durante a leitura deste livro foi ter períodos longos de tempo que me permitissem ler mais páginas de seguida. Foi importante para me apoderar da história. Comecei a ler o livro numa segunda-feira. Cheguei a sábado com 30 e poucas páginas lidas. Nessa tarde de sábado senti necessidade de recomeçar o livro, ler com mais calma e mais páginas. Li mais de 50 páginas, o que me permitiu entrar na dinâmica do livro e passar a semana a ler o restante e menos páginas por dia.
É um livro para todos os leitores? Talvez não seja. Um leitor com pouca experiência de leitura e muito habituado a ler livros mais simples com uma sequência narrativa muito demarcada (início - conflito - resolução do conflito - final) poderá não se sentir tão à vontade nesta leitura. Poderá mesmo ser frustrante. Para mim foi uma leitura extremamente contemplativa e de ir apreciando as pequenas passagens e momentos, e sei que isso não vai ao encontro do gosto de muitos leitores.
Desta leitura ficou a vontade de conhecer mais obras da Agustina Bessa-Luís. Espero ainda este ano ler outro livro dela, mais concretamente ando de olho em "Fanny Owen". Já leram? O que é que têm a dizer sobre ele?