"Até os comboios andam aos saltos" é o espelho da coragem de uma jovem adulta que passa para o papel os pensamentos e as emoções mais íntimas. Ler estas páginas e ver a alma da Célia a despir-se de filtros e da desejabilidade social. É trazer para estas páginas aquilo que realmente sente, sem o medo de ferir a suscetibilidade de quem a lê. Avançar despida deste medo, é coragem. E eu sentia em cada relato que expunha as suas relações mais profundas.
Como escrever sobre um livro que é o espelho de uma alma humana? Como colocar em palavras todos os pensamentos que me atravessaram a mente enquanto acedia ao interior da Célia? É difícil!! Qualquer coisa que eu possa escrever acerca de tudo isto é injusto. São as vivências de uma pessoa, são as dores físicas e emocionais de gentes reais, são pensamentos que moldam a personalidade de uma pessoa que eu admiro.
O meu primeiro contacto com a Célia foi em 2015 (se a memória já não me está a falhar) e cheguei até ela pelas mãos de outra escritora que me indicou como leitora beta. E, assim, o primeiro livro que leio da Célia é "Uma mulher respeitável" ainda antes deste livro nascer fisicamente. Depois desta experiência fui lendo tudo da Célia. Adorei a escrita e a maturidade com que ela construía enredos e personagens. "Até os comboios andam aos saltos" ajuda a compreender de onde vinha a maturidade dela e como é que ela conseguia entrar na mente das suas personagens de forma a fazer sobressair universos emocionais credíveis, complexos e multidimensionais. A vida e as pessoas com quem se cruzou obrigaram-na a desenvolver essa maturidade que ela tão bem direcionou para as suas histórias.
Este livro é um diário intimista, com relatos duros e crus. Não há filtros que dourem os pensamentos e as relações que vão sendo apresentadas. Os alicerces relacionais são frágeis e a Célia vive imensa num conjunto de fatores de risco que deixam vulnerável. Os avós são proteção e neste livro está subjacente o quanto ela se agarrou a eles para fintar caminhos de risco. Conhecemos a disfuncionalidade que se adensa e transforma, mas que nunca interfere na lucidez da Célia. Isto é admirável.
Eu já tinha um enorme respeito pela Célia, posso até dizer admiração dado que conheço alguns acontecimentos da vida dela. Este livro aumentou a minha empatia para com ela e admiração pela sua coragem em fazer diferente e em quebrar os padrões disfuncionais que ela conheceu.
Sei que há aqui um toque ficcional que é essencial para nos deixar na dúvida e não quebrar uma espécie de encanto que caracteriza este livro. Em alguns momentos acho que consegui perceber quando estava perante um elementos de ficção. Nestas partes, senti a falta da profundidade emocional que tão bem contextualiza alguns momentos cruciais do livro.
Estive para não atribuir estrelas a este livro. Estava a fazer-se confusão classificar a dor humana, as vivências singulares de uma pessoa comum. Após alguma reflexão, decidi que poderia classificá-lo com base na coragem exposta e na forma como as palavras são capazes de ilustrar emoções. E, assim, nascem as cinco estrelas bem merecidas.
Não li a primeira edição de "Demência". Vi muitas opiniões positivas em relação a este livro. Vi quem o achasse melhor que "O funeral da nossa mãe". Pessoalmente, acho que são livros diferentes, cada um com o seu valor. Têm um ponto em comum: a sua capacidade de mexer com as emoções.
"Demência" dá voz à violência doméstica e à demência. As palavras embalam-nos em direções mais ou menos previsíveis, mas que em nada diminuiu o entusiasmo e o interesse pelo livro. É uma viagem literária em constante desassossego. Desassossego por Letícia que procura manter-se inteira depois de ter sido despedaçada. Desassossego por duas crianças que sabem quanto custam os momentos de terror. Desassossego por uma mulher que lida com a doença e com a perda da melhor forma que consegue. E no meio destes sobressaltos e desassossegos há espaço para a importância que uma amizade pura pode ter nas nossas vidas. Há espaço para o poder curativo que só o amor consegue. Há espaço para olhar para o passado e encaixá-lo numa explicação do presente.
Infelizmente, a voz de Letícia ainda faz muito eco na sociedade atual. As feridas que esta mulher transporta são comuns às de outras tantas mulheres. A violência doméstica é, mais do que a Letícia, a personagem principal desta história. Um problema que atravessa gerações e deixa marcas emocionais demasiado profundas e com uma cicatrização imune ao tempo. É interessante ver como a Célia, apesar de ser muito jovem quando escreveu este livro, conseguiu imprimir uma maturidade enorme naquilo que quis contar ao público. Além deste aspeto, a história tem uma tonalidade tão realista que é fácil chegar àquela aldeia e visualizar o comportamento de todos aqueles que povoam estas páginas.
O tempo da ação é que me deixou um pouco baralhada. O início foi complicado. Em termos de tempo parece que passam mais dias do que aqueles que na realidade passaram. Há também uma transição, mais ou menos a meio do livro, que é pouco clara. Foram estes os dois aspetos que me não foram tão bem concretizados.
A história andou muitos dias na minha cabeça. A resiliência de Letícia fez-me acreditar na força feminina para enfrentar um problema. Por outro, a fragilidade e a personalidade dura de Olímpia tornaram-na demasiado humana. Foi a doença e a perda que a deixou mais fragilizada, mas foi o passado que a endureceu e que lhe deu uma visão diferente da condição humana. Duas mulheres que ficam na história do meu percurso literário e de quem, muito dificilmente, me irei esquecer.
Precisamos de vozes como a da Célia. Precisamos de pessoas que coloquem de forma realista amor, dor e tristeza nas histórias que escolhem contar. Precisamos de abrir espaço às boas publicações nacionais.
"Demência" irá levar-te a uma aldeia beirã, cheia daquelas preconceitos e "diz-que-disse" tão típicos de zonas mais solitárias e acanhadas. Vais encontrar o inferno e o paraíso de uma relação amorosa. Vais cruzar-te com o envelhecimento, com a doença que apesar de roubar parte das memórias de Olímpia será incapaz de lhe tirar do coração a amizade que a ajudou a sobreviver.
Ler um livro da Célia Loureiro é ter a certeza de que a escrita tem aquele tempero especial que torna a leitura deliciosa e prazerosa. É saber que vamos entrar em mundos reais, de pessoas reais e com vivências diferenciadas (umas mais dolorosas outras menos). É apenas a minha segunda leitura oficial da escritora, mas consigo perceber que os livros são cada vez melhores. Aliás como comentou a Patrícia do blog "O prazer das coisas", a escrita da Célia está cada vez melhor.
As primeiras páginas do livro "Os pássaros" foram complicadas de ler. Tive alguma dificuldade em compreender o contexto da história e em me apoderar do conteúdo que suportava as vivências das personagens. Foi esta dificuldade que me impediu de atribuir uma pontuação maior ao livro. Porém, passada a barreira das 50 páginas tudo ganhou uma nova dimensão. Comecei a sentir de forma mais expressiva o sofrimento da Manuela e do Diogo e lia com uma ânsia de perceber o que levou duas pessoas que se amavam tanto ao afastamento.
O livro é narrado pela Manuela e pelo Diogo. Duas vozes de personalidade dissonante, mas que partilham um sentimento que pinta as suas almas de negro. A empatia pelas personagens foi-se construindo com o avançar do livro e, no final, já só me apetecia abraçar os dois. Ler aquelas últimas páginas foi como reencontro o melhor e o pior do mundo. A sensibilidade da Célia entranha-se nas palavras e apresenta-nos uma sequência de acontecimentos que não me deixaram indiferente. Assim, foi ver o melhor da escritora no pior dos cenários.
Ao longo de toda a leitura andei muito intrigada com o título. Tinha muita curiosidade em conhecer os motivos que levaram à escolha da autora. Na minha cabeça sempre lhe dei uma conotação positiva. Símbolo de esperança, liberdade e que, de alguma forma, estivesse relacionado com a libertação emocional do sofrimento sentido pelas personagens. Para quem já conhece a história poderá imaginar o valente murro no estômago que levei. Fiquei sem ar!
E, assim, a Célia nos habitua ao que de melhor se faz por cá. Uma escrita bonita e uma tonalidade que deixa transparecer o dramatismo nas doses certas oferecem ao livro a beleza literária que só as boas histórias contêm.
Nota: Este livro foi-me disponibilizado pela editora em troca de uma opinião honesta. Leitura com o apoio de...
Para mim, opinar sobre um conto nem sempre é fácil. Na minha cabeça tenho de reforçar a ideia de que um conto é algo limitado em termos de número de páginas/ palavras, objetivo e que é assim que devo olhar para ele. Não quero, nem posso, que a minha ânsia em saber mais acerca da estória se intrometa na minha análise do mesmo.
Eu gostei muito de ler este conto... Aliás como todo o trabalho que tenho vindo a conhecer da Célia. Sim, na minha cabeça, instalou-se aquela ânsia de querer ler mais sobre Irene, de ir mais longe na loucura que, segundo aqueles que a rodeiam, a veio visitar.
Um conto muito bem escrito que tem como pano de fundo uma sociedade conservadora onde a forma como se olha para a saúde mental assusta os nossos contemporâneos (ainda há muita coisa a melhorar, mas é o olhar pelo passado que nos permite ver que muita coisa mudou para melhor).
Gostei muito da Irene. Apesar de a ter conhecido muito pouco consegui empatizar com ela e com a sua dor. Uma mulher lúcida perante as fragilidades que não a permitem ser feliz nem conhecer o amor pleno. É tamanha a sua lucidez que vai sabe que precisa de mais e persegue aquilo que acha que pode conter a sua felicidade.
Espero que estas personagens conheçam outros caminhos, num lugar onde o número de páginas não limite aquilo que podemos conhecer delas.
Aproveitem para conhecer o trabalho da Célia. Se estão indecisos em pegar em obras mais extensas da autora, façam o download dos contos gratuitos da autora e vão ver que para além de não se arrependerem, irá nascer vós aquela curiosidade literária que vos atirará de forma compulsiva às palavras e às estórias que a Célia decidiu partilhar connosco.
A minha experiência com os livros da Célia resumia-se a dois encontros agradáveis. Um com um conto, e outro com uma leitura beta onde procurei usar o olhos de lince e ajudar a autora. Estes dois encontros, foram a porta de entrada para a curiosidade. Após estas leituras e fiquei com vontade de conhecer mais sobre o trabalho da Célia e sobre as histórias que ela nos tinha para contar.
O Funeral da nossa mãe chegou no Natal e pelas mãos de uma amiga. Foi ocupar o seu lugar na estante, mas sabia que não iria lá passar muito tempo sem que eu me atirasse a ele.
Eu adoro alfazema! Recorro, muitas vezes, ao seu efeito relaxante. A capa trouxe-me esse cheiro, assim como muitos dos acontecimentos com que nos vamos cruzando ao longo das páginas.
Eu gostei muito da escrita da Célia, tal como já tinha acontecido em livros anteriores. Contudo, acho que ela exagera em algumas descrições e na narração de alguns acontecimentos. Enrola muito, recorre a metáforas e/ou comparações elaborados para nos mostrar sentimentos, situações... E isso, às vezes, torna a leitura mais lenta. O que é engraçado é que, se em outros livros eu poderia ficar aborrecida de morte e atirar o livro para um canto, com este tal não aconteceu. E porquê? Porque a conjugação entre enredo, personagens e escrita funcionou tão bem que facilmente seguimos embalados pela força dos acontecimentos e pela nossa curiosidade por saber por onde é que as personagens vão seguir.
Outra situação curiosa tem que ver com a própria narrativa. À medida que ia lendo, procurava imaginar o que é que as personagens iriam fazer, e pensava Humm, de certeza que a Célia não vai seguir pelo caminho x. É demasiado óbvio. Porém, em alguns casos, a Célia foi mesmo por aí, mas a leitura, em nenhum momento, se tornou aborrecida ou fastidiosa por nos depararmos com algo que já esperávamos que acontecesse. E, na minha opinião, é genial.
As personagens deste livro estão muito bem construídas. Carolina é das que mais destaco. Sentimos que ela é humana porque conseguimos gostar e não gostar dela ao mesmo tempo. Se num momentos sentimos empatia pelos sentimentos que exprime, no momento seguinte estamos a condenar as suas atitudes de tão estúpidas que são. Ela sacrificou muito por aquilo que ela sempre desejou. Apesar de não concordar com a forma com que ela conseguiu construir a sua vida, consigo entendê-la.
Lourenço é um homem que, a mim, me foi indiferente. Não lhe reconheci a força de carácter, não lhe encontrei determinação. Achei-o um resignado com a vida, com o sofrimento e com a amargura. E este tipo de personalidade condicionou a forma como olhei para ele ao longo da leitura.
Ingrid é a inconsequente. Uma mulher a quem a vida também lhe ensinou muito. Achei a revelação final (não vou spoilar ninguém) uma grande lição de consciência. No fundo, ela pagou pelos atos inconsequentes que foi tendo. Penso que ela merecia um bocadinho mais no livro. Aliás, acho que só ela e a sua vida dava uma brilhante história. Houve coisas da personalidade dela que iam pairando na história, como por exemplo, o espírito livre, o não querer exercer medicina, a sua emotividade e luxuria no relacionamento com Lourenço... Tantas coisas complexas que a tornam numa personagem com uma história própria.
Quanto às irmãs, gostei de partes delas. Alguns características de personalidade e alguns acontecimentos não fizeram muito sentido para mim. Ao longo do livro fui remoendo algumas coisas que achei que estavam um pouco desenquadradas. Mas as justificações e os desfechos que a Célia deu a toda a história a e a todas as personagens convenceram-me e aceitei o ponto de vista que a autora apresentou.
Quero continuar a acompanhar o trabalho da Célia. E partilho o que lhe disse em privado, será umas tristeza se ela ou alguma editora nos prive de acedermos ao talento dela para nos contar histórias.
Ano: 2012 Número de páginas: 24 páginas Classificação: 5 Estrelas Sinopse:Aqui
Opinião
É difícil sentir-me satisfeita como leitora quando leio um conto. Ao fim de cada conto lido sinto sempre que falta qualquer coisa. Ou é a história que não foi profunda o suficiente, ou porque ficaram muitas pontas soltas ou por qualquer outra razão inerente ao conteúdo do conto. Porém, a minha experiência com este conto foi totalmente diferente.
Até ao momento, da escritora Célia Loureiro só tinha lido um livro e foi como leitora beta. Quando me cruzei com este conto, achei que poderia ser uma boa escolha para o desafio Português no Feminino. E, de facto, foi uma excelente escolha. Adorei!!!
Tanto a minha experiência com livro como com este conto, sinto que a Célia tem uma maneira muito própria de trabalhar as palavras. Ela consegue juntá-las numa dança de conteúdo harmoniosa e muito cativante.
Cinzas e Neve dá-nos a conhecer a história de um casal afastado pelo destino e pelas personalidades. No fundo, não lhes foi permito viver o amor que os unia. Afastaram-se e reencontraram-se. E é neste reencontro que ficamos a saber tudo o que os uniu e os afastou, aquilo que foi condicionando as suas vidas e as suas perspectivas em relação a um futuro próximo.
É um conto carregado de sentimentos, de lágrimas, sorrisos e recordações. Um conto onde não fica nada por contar e onde ficamos a conhecer o Henrique e Cristina através dos olhos e da voz de Cristina. Nunca sabemos onde esta voz nos vais levar. Vamos seguindo, embalados nas palavras, sem saber que final nos vai ser oferecido. Final este, que só ficamos a conhecer na última frase do conto.
Dos vários contos que já li, este foi o que mais gostei até ao momento.