Insistem em tratarem-me como se fosse do género masculino. Odeio quando me cruzo com o comentário “Oh não, um vírus outra vez!”. Digo-vos só apetece gritar “Nããããoooo! Têm que dizer: Oh não, uma vírus outra vez!”. Então, se utilizam a palavra virose, no feminino, porque não colocar-me a mim Vírus no feminino? Será que não compreendem que tenho mais de feminino do que masculino? Já olharam bem para as minhas características e comportamentos? Claro que não! Porque se tivessem perdido um pouco de tempo a olhar bem para mim, sem a visão toldada pelo pânico, iriam perceber o meu lado feminino e guerreiro.
Ora vejamos, enquanto vírus uma das nossas grandes características é a facilidade de propagação. Conseguimos atingir diferentes seres humanos, em simultâneo e num curto espaço de tempo. Somos rápidas e eficazes. Só as mulheres têm uma grande capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo sem que nada fique comprometidos. O seu pensamento ramifica-se de acordo com as exigências necessárias. Veem? São como eu.
Tenho a capacidade de sofre mutações genéticas. Quem é que consegue se transformar e adaptar às necessidades da sociedade? As mulheres, está claro! Passam de um compromisso profissional para um encontro informal num piscar de olhos! São verdadeiros mutantes sociais.
Só somos visíveis ao microscópio eletrónico, tal como a verdadeira essência feminina que só é visível aos olhos daqueles que perdem tempo a conhecê-la verdadeiramente. Só quem investe nas relações afetivas é que consegue perceber bem a essência das mulheres, assim como as viroses só são conhecidas com recurso a um microscópio especial.
Somo apelidadas de parasitas! Ora parasitas são aqueles que se aproveitam dos hospedeiros. Quem melhor do que a inteligência feminina para tirar o melhor partido das situações e das pessoas? Só uma mente inteligente se pode tornar em alguém capaz de utilizar melhor a energia que está à sua volta. Pronto, não pode ser tudo características 100% positivas. Todas as criaturas do mundo têm arestas mais obscuras.
Como veem, tudo em mim transpira feminilidade. Tenho tanto de delicada (facilmente fragilizo aqueles que se cruzam comigo) como de resistente (é preciso um batalhão de antibióticos para me destruir). É assim a alma feminina: livre, delicada e resistente.
Por este meu discurso podem perceber a minha indignação. Não quero ser tratada no masculino, quero ser olhada e respeitada como mulher. Será que agora estão dispostos a mudar-me de género?
Tema 2.5. Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia
Ontem, aquele telefonema abriu a porta para que hoje fosse um dos mais felizes da minha vida. Afinal, aquilo que mais desejei realizou-se.
Levanto-me sem pressa. Tomo o meu banho e visto aquele vestido vermelho. Aquele que sempre esteve guardado para este dia. Assim que fico pronta, faço-me à estrada.
Ao fim de duas horas chego ao meu destino. Ainda vou comprar flores, umas flores especiais e adequadas à ocasião.
Estive demasiado tempo longe deste lugar. Sinto-me um pouco estranha. Foram demasiados anos escondida e longe daqueles que amo e que, nesta altura devem pensar o pior de mim.
Os óculos escuros e o lenço branco permitem-me um certo anonimato. Um anonimato que quero manter até chegar o momento certo. Dirijo-me à igreja que tão bem conhecia e que marcou o início da minha desgraça. Entro e mantenho-me discretamente longe dos familiares do defunto. É claro que olham para mim, uma mulher de vermelho num mar negro de cor é motivo suficiente para despertar a atenção mesmo daqueles que se encontram entorpecidos pela dor.
O funeral começa. Não tenho lágrimas para oferecer ao defunto. Roubou-mas todas no dia em que me atirou pela primeira vez ao chão. Vi a mãe dele, os irmãos o nosso filho e filha dele, ali, a chorar por um impostor que foi morto pelas mãos que o acolheram quando me fui. Ela teve mais coragem do que eu. Arrancou a erva daninha pela raiz. Não consentiu viver afastada do medo que sempre me acompanhou e que hoje irá com ele para a cova.
Sigo o funeral até ao cemitério. O vermelho do meu vestido reluz. E por dentro visto um sorriso de liberdade.
Quando descem o caixão para a terra aproximo-me. Tiro o lenço da cabeça e os óculos. Tudo para! Os rostos incrédulos tingem-se de mais choque. Afinal, devem pensar que regressei do mundo dos mortos. Cuspi para cima do caixão, cuspi para cima das flores e atirei-as com violência para o buraco onde já devias estar há muito. Olhei para o meu filho e aí as lágrimas chegaram.
Decidi quebrar o silêncio.
− Roubaste-me a voz e a vida! Durante 16 anos tive de viver escondida, a carregar na pele as difamações que espalhaste e no rosto as cicatrizes que tu tão bem soubeste fazer com os teus malditos cigarros. Afinal de contas sou aquela que fugiu com o amante. Não te perdoou o que me roubaste. Só espero ainda ter tempo de resgatar o amor do meu filho.
– Silêncio! – Aquele julgamento estava a ser horrível para a juíza Luísa. – Silêncio! – continuou ela enquanto batia com o martelo.
Os ânimos estavam exaltados na sala de audiências. A entrada do Dr. Google causou agitação nas pessoas que estavam a assistir. Felizmente, Luísa proibiu a presença dos jornalistas.
Dr. Google entrou na sala com a descontração estampada nas letras do seu nome. Até vinham coloridas e com os efeitos de um doodle especialmente criado para este dia de julgamento. O dia em que ele seria finalmente ouvido em tribunal.
O silêncio instalou-se na sala e o interrogatório começou:
– Google, um motor de busca com 21 anos, é acusado de crime de homicídio involuntário. A 1 de abril de 2019 lançou a notícia de que todos os humanos poderiam voar. Assim que abriu o motor de busca no seu telemóvel, o Sr. Matos deparou-se com o título leu e depois atirou-se da janela. Os transeuntes que passavam na rua só o ouviram gritar “Pessoal, agora podemos voar”. O Sr. Matos caiu de um 10º andar e a sua morte foi declarada no local. – Luísa fez uma pequena pausa e perguntou diretamente ao réu: - Dr. Google está ciente das acusações que lhe são feitas. É culpado pela morte de SR. Matos?
Som de gargalhada, ENTER. Na sala espalhou-se o som de uma gargalhada. Google limpou a pesquisa e ativou o seu sistema de fala artificial: – Isso é mentira! Eu não empurrei o senhor da janela. Ele é que foi o culpado. Deveria ter clicado na página para ler a notícia. Se lesse teria verificado que era uma brincadeirinha do dia das mentiras.
A juíza revirou os olhos. Seria difícil provar este crime.
– Segundo as provas, o Dr. Google está errado. O Sr. Matos abriu a página em questão. A acompanhar o título Os humanos já podem voar, estava um texto que sugeria que se abrissem a janela e saltassem iriam voar pelos céus. Estava também escrito que isso se devia a uma mudança na atmosfera devido às alterações climatéricas. Só ao fim do dia é que apareceu a indicação que era uma notícia falsa. Indicação que só apareceu depois do Sr. Matos ter saltado da janela e ter morrido.
– Senhora Doutora Juíza e eu lá tenho culpa de o Sr. Matos não ter capacidade interpretativa?
Dirigiste-te para a prateleira dos livros de não ficção. Tens somado várias relações falhadas. As tuas escolhas sempre se traduziram em homens que te faziam sofrer, que te traíam, ou que não te davam aquilo que esperavas de uma relação.
Serás que não estás errada? Será que não fantasias demais acerca das relações românticas entre homens e mulheres? Dúvidas e mais dúvidas que se multiplicavam na tua cabeça. Querias respostas! Precisavas de orientação romântica! Precisavas de amor. Talvez a resposta estivesse nos livros.
E ali estavas tu, na busca de um livro que te ajudasse a iniciar um relacionamento saudável. Um relacionamento onde recebias amor na mesma medida em que oferecias. Porque tu sempre sentiste que davas mais amor do que aquele que os outros deram. Na capa, brilhava o título do livro onde pensavas encontrar a resposta às tuas inquietações: Manual para iniciar relacionamentos. Abriste-o e detiveste-te nas páginas sem pressa. Querias perceber se ele valia a pena. Se ele guardava as indicações preciosas de que tanto ansiavas. O conteúdo deixou-te algumas ideias para desencadeares situações onde pudesses conhecer pessoas que fossem de encontro à tua personalidade. Em seguida apareciam indicações sobre como desenvolver a relação até culminar em todo o romantismo que desejavas. Tomaste a decisão de levar o livro.
Aquilo que não sabias é que não irias precisar dele. Do outro lado da sala havia alguém cujo olhar de predador se fixou em ti. Observou cada um dos teus passos, analisou as tuas expressões faciais enquanto os teus olhos vagueavam pelas palavras impressas no livro que achavas guardar a tua felicidade.
Ele segui-te durante dias. Ficou a conhecer as tuas rotinas, procurou saber os teus segredos. Num simples passeio pelo parque, esbarrou propositadamente contigo para que a tua pasta caísse ao chão e alguns documentos se espalhassem. Ativou o ar de cavalheiro e ajudou-te a apanhar tudo. Olhou-te nos olhos de uma forma sedutora e calorosa. Daí a estarem a partilhar um café numa esplanada ali perto foi um ápice. Ele adotou o comportamento que sabia que te iria conquistar.
Um café deu origem a um lanche. Um lanche transformou-se num jantar e quando mesmo esperavas estavas presa na teia dele. E ele, tão ciente das suas necessidades animalescas, tinhas uma certeza: não devias ter pegado naquele livro. Num dia, após um jantar ele mostrou-te o lado mais negro do amor e ofereceu-te o silêncio eterno.
— Estás louca? O que é que achas que uma taróloga poderá fazer por ti?
— Ei.. Ei! Para já aí! Por mim não! Por nós! O problema é comum. Eu não tenho um filho sozinha. Os meus óvulos precisam do teu espermatozoide. De preferência um dos bons.
Ele revirou os olhos. Já lhe faltava a paciência para o assunto. Andavam a tentar ter um filho há um ano. Até ao momento ainda não se tinha conseguido.
— Então? Não dizes mais nada?
— O que é que queres que eu te diga? Uauu… Bora lá ver o que é que as cartas têm a dizer relativamente ao nosso desempenho sexual. – Os olhos dela já quase saíam das órbitas, mas ele ignorou e continuou. – Não, espera! Vamos ver se as cartas atestam a saúde das nossas células reprodutoras, antes sequer de termos consultado um médico.
Ele ouvi-a respirar fundo umas três vezes antes de lhe dar uma resposta.
— Sabes que neste assunto, médicos, nunca fiando. Há uma certa aura mística no que toca à conceção de uma criança… Os ciclos lunares, o alinhamento dos astros… Já pensaste que podemos não estar a treinar no momento certo?
— Decididamente estás a ficar doida… Sim, podemos não estar a treeeiiiinar no momento certo, ou seja, não estamos a respeitar o teu período fértil. Ou os meus espermatozoides não estão com a pedalada suficiente para conquistar um óvulo dos teus. Mas querida, as respostas a estas questões não estão nas cartas de uma taróloga, estão nos exames que profissionais qualificados prescrevem e analisam.
— Puff…. Por que é que tens de ser tão científico? Por que é que não acreditas que conceber um filho é algo mágico.
Ele sorrio e foi sentar-se ao lado dela no sofá. Emoldurou-lhe o rosto com as mãos e falou-lhe de forma terna.
— Querida, conceber um filho é mágico, porque há amor. Mas nós precisamos de ir ao médico. Há médicos muito competentes nesta área. Só precisamos de procurar um que seja capaz de nos orientar.
Ela começou a chorar. Estava a tentar aligeirar algo que lhe estava a consumir a alma, mas não podia.
Ele beijou-a e fez amor com ela como se lhe quisesse aliviar a alma. Depois dessa noite já não precisaram de ir a tarólogas. Bastou o médico para fazer o acompanhamento pré-natal.
Mal vi o tema desta primeira edição pensei O que é que eu vou escrever sobre isto? (principalmente quando ando numa fase de pouca criatividade).
Os dias iam passando e as ideias não surgiam. Fui engolida pelo rebuliço da semana (rebuliço esse que começou logo no início deste mês) e como tinha uma altura mais vaga na sexta de manhã achei que seria uma boa altura para me dedicar ao tema.
Ontem à noite ainda não tinha ideia do que escrever. Começaram a vir outras tarefas e claro que ideia foi, acho que a coisa não vai correr bem ao deixar o tempo avançar sem escrever nada.
E, tal como aquelas profecias que se auto cumprem, eis-me aqui em frente à branca e assustadora folha do word sem saber o que vos escrever. Como vos deve parecer bem óbvio a coisa não está a correr bem e a pressão de inventar algo em tempo record levou-me a estes devaneios mentais.
Quantas vezes já vos aconteceu as coisas não correm bem depois de na vossa mente formularem o pensamento de acho a coisa não vai correr bem? Por estes lados não consigo ter dados suficientemente válidos para vos dizer que os acontecimentos se traduzem em diferenças estatisticamente significativas entre as vezes que correram bem ou mal depois de tal pensamento.
Isto leva-me à psicologia positiva e ao otimismo. Se por um lado gosto da filosofia inerente à psicologia positiva (e atenção que ela não defende que o mundo é cor de rosa e cheio de unicórnios cintilantes e simpáticos) por outro o meu otimismo é algo cinzento. Então, muitas vezes, dou por mim a pintar o cenário de um negro assustador enquanto outros se vêm obrigados a introduzir umas cores para que eu não seja engolida pelo buraco que crio.
E assim, saltando de um tema para outro, lá cheguei às 300 palavras. Afinal, até que a coisa não correu assim tão mal. Espero que o próximo tema me desperte mais a imaginação e claro, não posso deixar que a semana me engula e não me deixe energias para produzir um texto melhor em tempo útil.
Por fim, deixo apenas uma palavra de positivismo a todos os novos pássaros. Espero que gostem desta aventura e acreditem, a maioria das semanas, as coisas até correm bem.
Decidi participar neste desafio um bocadinho a medo. Gosto de escrever, mas sei que tenho algumas lacunas no processo de escrita. Apesar dos medos e dos receios achei que poderia ser uma excelente forma de evolução pessoal e uma possibilidade de desenvolver as minhas capacidades de escrita.
Não contava apaixonar-me pelo desafio e pela comunidade que se criou em volta dele. Cada semana e cada desafio surgiam como excelentes possibilidades de aprendizagem e de partilha. Fiquei fã de alguns textos! Consegui rir-me com as recriações de muitos dos participantes. Ali encontrei um conjunto de pessoas diferentes que enriqueciam uma verdadeira comunidade virtual.
Tem sido uma verdadeira aventura descobrir-me na construção de textos e descobrir como os outros dão corpo aos temas. Só tenho pena de nem sempre ter tempo para comentar os meus parceiros de viagem, mas tento sempre ler as suas participações.
Falhei dois temas deste primeiro desafio. Uma das ausências deveu-se à minha incapacidade de gestão temporal/ criatividade para o desenvolvimento do tema. A outra deveu-se a acontecimento de cariz pessoal que me condicionou em termos criativos.
Os temas que gostei mais de desenvolver foram os dois últimos temas do mês de dezembro: a reforma do Pai Natal e o Não nasci para isto. Acho que consegui imprimir nas palavras um tom mais divertido.
Aceitei o novo desafio! Agora já sei mais ou menos o que me espera, mas tenho a certeza que serei apanhada na curva pelos temos que nos irão propor. A criatividade destes pássaros provém de uma fonte inesgotável.
Devo a este desafio não só as aprendizagens como a mudança para a plataforma da Sapo. Estou muito feliz e satisfeita com esta mudança. Por isso, o meu enorme agradecimento por me terem possibilidade participar e conhecer este grupo de pássaros barulhentos, mas capazes de aquecer o espírito.
Amélia sentiu o aperto forte na sua mão, não queria abrir os olhos para que eles não se cruzassem com o olhar sofredor daquele cujas lágrimas caiam. O sofrimento dele era mudo, o dela era histriónico. Ele recolhia-se na sua concha, ela era o vendaval que destruía tudo por onde passava.
− Sei que me estás ouvir, Amélia! Abre os olhos, por favor.
Amélia inspirou profundamente e, continuando de olhos fechados disse:
− Para que é que queres que eu abra os olhos? Para o quanto sofrem os teus?
Ele bufou de exasperação.
− Quando é que vais crescer Amélia?
− Acho que não passarei mais do meu metro e sessenta e cinco.
Largou-lhe a mão com brusquidão, arrastou a cadeira para longe da cama, levantou-se e foi até à janela.
− Sabes onde te encontraram? Sabes em que condições estavas quando te trouxe para casa já de madrugada?
Amélia abriu os olhos e, finalmente encarou-o. Viu tristeza e algo pior. Naqueles olhos, que tanto amor já lhe deram, viu a derrota. Ele estava a desistir dela.
− Desculpa, Óscar. – Amélia começou a chorar de forma intensa e com soluços que lhe descompassavam a respiração.
Ele não se moveu para a consolar. Preferiu virar os olhos para o jardim morto. Morto como a vida que ele tinha sonhado para ele e para Amélia. Sem vida, e sem maturidade como o olhar de Amélia.
− Estou cansado, Amélia! Cansado de te obrigar a crescer. Cansado de te tentar orientar. – Voltou a encarar a mulher vazia que jazia na cama e com o choro mais controlado. – O que queres da vida? Continuar a fugir do trabalho para passares o dia a andar nos carrosséis? A andar nos baloiços do parque? A fumar ganzas com os adolescentes do secundário?
Amélia não tinha resposta para aquilo. Havia algo que a impedia de ter uma vida ajustada a uma pessoa adulta. Para ela, a felicidade emergia da vida daquelas miúdas que não tinham medo de nada, que não viviam reprimidas pelo conservadorismo e religiosidade dos pais… Ela queria sentir aquela liberdade inconsequente.
Óscar voltou para junto da cama. Desta vez não lhe deu a mão. Suspirou, sentia-se abatido e sem energia.
− Não és uma adolescente, Amélia. Precisas de ajuda de um profissional. Precisas de encontrar um propósito para a tua vida.
Tema 15: O Pai Natal decidiu reformar-se e as entrevistas começam esta semana. Descreve uma dessas entrevistas na perspetiva do recrutador de recursos humanos: A Rena Rodolfo.
A agitação imperava na Lapónia. O Pai Natal achou que era boa altura para submeter os papéis para a reforma.
Ninguém queria acreditar, mas o certo é que o Pai Natal foi para casa e comprometeu a entrega das prendas de Natal. Tinham de arranjar um substituto e depressa! Calhou à Rena Rodolfo tratar do processo de recrutamento e seleção. Já não havia muito tempo para encontrar um substituto, por isso Rodolfo optou por um recrutamento interno.
Candidataram-se elfos, gnomos e personagens do mundo da animação, mas Rodolfo sabia que não iria ter tempo para os entrevistar todos e, assim, fazer um seleção imparcial. Teria de recorrer a outros métodos.
Rodolfo tinha uma amizade antiga com o Burro do Shrek. Há uns dias tinha recebido um email do Burro a recomendar o Shrek e a explicar que ele precisava mesmo de um trabalho assim porque as despesas em casa já eram avultadas. Rodolfo decidiu dar uma mão ao amigo. Tirou ao acaso seis dos candidatos e publicou a lista…
Lista de Admitidos a concurso…
Para cumprir protocolo, chamou Shrek à entrevista.
− Olá Shrek! Bem-vindo à Lapónia. – disse Rodolfo enquanto cumprimentava o Shrek com um encontrão de focinho. – Então, como está a Fiona e os miúdos.
− Olá Rodolfo1. Nem sei como te agradecer a mãozinha que me deste. Estou mesmo a precisar de ganhar dinheiro. A Fiona anda cansada com toda a agitação lá de casa.
− É pá não deve ser mesmo anda fácil! A vaga é tua, como sabes. O trabalho é simples. Para te facilitar as coisas aluguei o tapete ao Aladino. É mais rápido e poupamos um pouco as Renas que estão um pouco abaladas com a reforma do Pai Natal.
− Obrigadinho, Rodolfo! Sabes que odeio conduzir e, com o tapete, poderei levar o Burro ou o Gato das Botas para ajudar na distribuição.
− Olha, isso é que é uma boa ideia. Bem… não vamos perder mais tempo. Estão aqui os papéis do contrato. É só assinar. – Rodolfo entrega os papéis ao Shrek para que ele assine. – E podes começar a trabalhar imediatamente. O Natal está mesmo a chegar.
Enquanto Shrek assinava, Rodolfo começou a ouvir um grande barulho. Veio janela e disse:
− Maldito Glum… - Rodolfo virou-se para o Shrek e continuou. – Parece que vamos ter ainda mais trabalho. Os Gnomos decidiram fazer greve, e o Glum está a liderar.
1) Ao lerem não se esqueçam de fazer aquela vozinha típica do Shrek Português.
Na Lapónia as coisas estão muito agitadas. Todos os Gnomos foram destacados para casa do velho barbudo. É uma correria desenfreada para atender aos pedidos das crianças. E ler aquelas cartas todas? O degredo das promessas vãs!! “Querido Pai Natal, prometo estudar mais no próximo período. Por isso traz-me o X-MEN, um IPhone e o tablet mais recente”, “Querido Pai Natal, sei que tenho sido um bocado mauzinho para os meus pais, mas se tu me trouxeres os presentes quero prometo ser melhor”. Glum já estava farto das cartas infantis.
− Pufff… Não nasci para isto – praguejava Glum. – Eu sou do amor romântico. Nasci para unir casais, não para ler cartas infantis cheias de desenhos do Pai Natal como se fosse ele a pessoa mais importante nesta coisa das prendas – uma gargalhada seca saiu da garganta Glum. – O Pai Natal… Como são crentes estes infantes. É um tipo obeso, cheio de mania que só sabe cuspir ordens e pior…. Só trabalha nesta altura! Passa grande parte do ano de papo para o ar. Será que lhe custava muito ajudar mais? Porque é que todos os duendes têm de vir para aqui?
− Porque é que não te calas, Glum? Já não te posso ouvir!! - Gorgo, o gnomo da purificação e libertação não suportava a energia negativa daqueles que o rodeavam.
− Porra Gorgo, sabes que isto não é para mim. Eu devia estar a espalhar a amor por aí, a aproximar pessoas e coloca-las em sintonia amorosa. Nasci para provocar vibrações emocionais. Para fazer com que as pessoas se apaixonem… Não é passar dias e dias a ler estas cartas ranhosas e a preparar presentes de Natal.
− Não sejas assim, Glum. O Pai Natal paga-nos, estamos a fazer um trabalho útil… Para quê gastar energias em emoções negativas?
− Paga-nos! Deixa-me rir – ironizou Glum. – O que recebemos é tão pouco. O São Patrício paga bem melhor e só temos de andar a distribuir trevos e cheiro a primavera. Aí não me sinto explorado. Faço algo que gosto e ainda tenho tempo de juntar uns casais. É por essas e por outras que continuamos a ser explorados. E por causa de trabalhadores como tu, Gorgo, que não lutam pelos seus direitos, que continuamos a vivenciar situações miseráveis.
Gorgo abanou a cabeça e rematou a conversa: – Tens razão, não nasceste para isto! O teu lugar era no sindicato dos gnomos.