Para lá do inverno é o segundo livro que leio de Isabel Allende. Há uns anos li o "Paula", um livro onde a escritora partilhava aspetos da sua vida pessoal, dando destaque à doença da filha. Lembro-me de ter gostado do livro, mas não ter adorado.
Desde essa altura, nunca mais tinha pegado noutra obra da escritora. Na minha última ida à biblioteca, achei que era uma boa forma de voltar a ler um livro de Isabel Allende e acabei por trazer este para casa.
É engraçado que comecei a embirrar com a parte criminal que a história tem, mas depois percebi que não era essa a essência do livro. O crime serviu apenas de gatilho para descobrir três histórias de vida marcadas pela luta, o sofrimento a incerteza... Invernos que o ser humano atravessa e que são responsáveis por emoções mais negras.
Os invernos da vida e o que resiste para além deles são a essência desta história. Há uma tonalidade reflexiva que acompanhou toda a leitura, mas no início eu não me estava a aperceber dela. Acho que andava demasiado à procura da linha condutora que me explicasse a morte que aparece nas primeiras páginas. Era o meu lado racional a tomar a dianteira na leitura. Depois, a autora fez-me mergulhar no passado de Lúcia, Richard e Evelyn e aí percebi a intencionalidade do livro.
Se tivesse de destacar uma história seria difícil escolher entre Richard e Evelyn. Foram duas narrativas muito duras, com um sofrimento distinto mas muito palpável. Tão palpável que no presente ainda se fazia sentir na forma como se relacionavam com os outros, na forma como olhavam para o amor, na forma como encaravam a sua própria vida.
O crime juntou-os e fomentou laços entre eles. Lúcia também tem os seus invernos, mas a forma como os encaixou na sua personalidade fizeram dela alguém com uma resiliência mais capaz para os relacionamentos com os outros. Ela unia as pontas que consistiam na individualidade de cada um. Deu sentido as vivências de cada um e àquilo que os acabou por juntar.
O desfecho foi algo inesperado. Porém, conseguiu dar sentido e coerência àquilo que no início me parecia inverosímil. E além do desfecho onde se encerram os assuntos que caracterizam a narrativa, prevalece a mensagem de que por muitos que sejam os invernos que tenhamos que atravessar na nossa vida, haverá forma de os ultrapassar e encaixá-los dentro de nós de forma positiva e resiliente.
Fiquei agradavelmente surpreendida com o livro e espero, em breve, voltar à escrita de Allende.
Autor: Isabel Allende Ano: 1994 Editora: Difel Número de páginas: 368 páginas Classificação: 3 Estrelas Desafio: Novos autores
Sinopse
Esta obra de Isabel Allende possui e prossegue duas qualidades essenciais à sua narrativa e ao seu estilo literário: a densidade e a intensidade. Sendo um representação do sofrimento e das memórias, Paula é um documento multi-biográfico, como de resto são em grande parte os seus outros romances, e neste se configura como uma viagem dupla em presença do estado comático da filha e da acumulação das experiências de outras dores, entremeadas de alegrias, da mãe. Paula é tanto um diálogo à cabeceira de uma doente clinicamente privada de consciência, como um solilóquio de grandeza e fragilidade, a tentativa de unir a ideia do amor como única ponte de salvação humana, à realidade do sofrimento tanta vez absurdo e indecoroso. Um livro que marca uma nova etapa, deslumbrante, na carreira de Isabel Allende.
Opinião Este foi o primeiro livro que li de Isabel Allende. É um livro tocante, reflexivo, emocional. Aqui encontramos uma mãe que utiliza as palavras para "imprimir" as angústias de um coração em sofrimento. Isabel Allende, a mãe em sofrimento, Paula, a filha que gradualmente se afasta do mundo terreno. Uma doença, porfíria, empurra Paula para o mundo da inconsciência e deixa todos aqueles que amam num terrível sofrimento.
Com este livro Isabel dá voz ao seu sofrimento e oferece ao leitor um dos relatos mais comoventes que já alguma vez li. Poderá ser um livro difícil de "digerir" caso o leitor esteja ou tenha passado por uma situação semelhante, uma vez que a riqueza das palavras oferece um relato vívido das emoções de uma mãe que, de um momento para o outro, vê a sua filha perder a vitalidade, a força de viver, o gosto pela vida.
Emocionei-me! Não estava à espera de uma escrita tão profunda. De um relato muito sentido e que nos deixa sem palavras para o descrever. Ernesto, o marido de Paula, demonstra um sofrimento igualmente comovente... Tão comovente que chegamos ao ponto de querer saltar para aquelas páginas e, simplesmente, abraça-lo no silêncio do seu sofrimento! Gostaria de ver mais do Ernesto nestas páginas para perceber melhor o nascimento da sua ligação com a Paula.
O aspecto que menos gostei no livro foi a confusão dos acontecimento. Isabel Allende não seguia uma sequência cronológica na narração dos acontecimentos que foram pautando a sua intensa vida! Por vezes, sentia-me um pouco perdida nos meandros das guerras civis, dos amores (im)perfeitos que marcaram o coração da escritora.
Não é fácil lidar com a morte de um filho. Porém, confesso que concordo com a atitude final de Isabel: ajudar a filha a morrer. No fundo, permitiu-lhe todas as condições para que ela morresse em paz e tranquila. Não é uma decisão fácil e está muito longe de reunir consenso. Mas, questiono-me diversas vezes o para quê de prolongar uma vida com mil e um tratamentos quando sabemos que não irão resultar? Pessoalmente, não gostaria de viver na inconsciência só porque as pessoas que gostam de mim querem que eu continue ali... Compreendo o lado delas, mas, ao mesmo tempo, não deixo de pensar que é existe uma certa pontinha de egoísmo nisto tudo.
Um livro que vale a pena ser lido pela profundidade emocional que transmite, pela introspecção que suscita no leitor...