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Para mim é sempre complicado quando tenho que partilhar uma opinião menos favorável relativamente a um livro. É ainda mais difícil quando: 1) o livro é de um escritor português e 2) o livro foi-me disponibilizado pelo(a) escritor(a).
A escrita está associada a sonhos pessoais. Uma opinião menos positiva significa quebrar e estilhaçar o ego de quem ousou lutar pelos seus sonhos. Apesar disto, sinto que tenho de ser sincera. Partilhar uma falsa opinião não irá contribuir para a evolução de quem ousou seguir o seu sonho. Por esta introdução já conseguem antever a minha experiência com este livro.
Há umas semanas fui contactada pela Telma, a autora deste livro, com um convite para ler a sua obra. Tenho sido mais seletiva com estes pedidos, mas decidi arriscar (só correndo riscos tenho oportunidade de descobrir). Ela enviou-me o e-book e eu comecei a ler. Depois de ler meia dúzia de páginas, já estava completamente desmotivada para a leitura.
“A rainha desejada” tem Ana como protagonista. Ana vive no século XX, mas um incidente leva-a numa viagem pelo tempo. Estas viagens no tempo podem ser perigosas para o escritor. Exigem pesquisa, conhecimento e coerência no conteúdo que introduzem. Neste livro sente-se muito a falta deste conhecimento e do brio em colocar as coisas em consonância. É tudo “despejado” para o texto de uma forma pouco cuidada e demasiado amadora. Eu gosto de ler romances históricos e de época, mas gosto de ver as coisas com sentido e bem alinhadas. A forma como tudo foi conduzido parecia que ia culminar num desrespeito pelo que de facto aconteceu com a História de Portugal. E, em parte, acabou por se verificar.
Não apreciei a forma como a narrativa foi conduzia. Eu não conseguia visualizar a beleza de D. Manuel I (basta uma pesquisa rápida na internet para perceber que beleza era um conceito que não se aplicava ao físico deste rei). Acho que a imagem que a escritora passou ultrapassa a realidade; mexer num aspeto tão específico da história de Portugal, dando-lhe uma conotação diferente, fez-me confusão. Fez-me imensa confusão uma jovem do século XX, achar as roupas do século XV confortáveis (dada a quantidade de peças e acessórios que compunham o vestuário feminino). Fez-me muita confusão os banhos na praia em pleno século XV. O comportamento de Ana e restantes personagens estava completamente descontextualizado da época que pretendia retratar. Há poucos elementos que situam o escritor na época, e os que existem estão mal descritos e são deturpados em função dos interesses da escritora.
O desenvolvimento da narrativa não foi o único problema. A escrita é fraca e com bastantes erros ortográficos. É tudo demasiado contado e pouco descrito. A pontuação é outro aspeto que carece de uma revisão profunda. Várias vírgulas entre sujeito e predicado; ausência das mesmas quando a autora usava o vocativo; diálogos e frases totalmente mal pontuadas. Isto revela falta de cuidado na revisão e um grande amadorismo na escrita. No fundo, temos um livro com graves problemas na estrutura narrativa e mal escrito.
É uma escrita muito desleixada. Sinto que é necessário muito trabalho. É preciso ler mais e escrever mais para que isso se reflita numa escrita cuidada e cativante.
Acho que com alguns exemplos, poderão perceber o que é que funcionou mal nesta obra.
“O primeiro a despertar foi Ana, que abriu os olhos lentamente e vislumbrou o rosto de Manuel, que dormia um sono profundo e reparador. Ana acariciou-o carinhosamente no belo rosto, e assimilou amar muito aquele homem, com todo o seu coração e que desejava verdadeiramente ficar a seu lado para sempre, mesmo que isso significa-se nunca regressar ao seu século.” – Para além da má construção frásica, podemos ver o encontrar um tipo de erro que se repete até à exaustão ao longo da obra.
“Naquele dia de verão, ao pôr do sol e observando Lisboa do lado oposto, Ana sentia-se ansiosa, como se no ar crepita-se algo, como se a brisa suave que sentia nos seus longos e ondulados cabelos estivesse a sussurrar-lhe aos ouvidos, mas desvalorizou o sentimento, sacudiu os seus pensamentos e continuou o seu passeio, observando o rio e as suas cores fortes de origem vermelha que o pôr do sol espelhava nas águas calmas.” – Aqui temos um mau exemplo de pontuação (um entre muitos outros ao longo do livro).
Para além dos problemas que já identifiquei, estes parágrafos são uma ilustração de uma escrita pouco rudimentar e que precisa de bastante trabalho para que seja aperfeiçoada.
O final foi desastroso. Eu percebo o motivo que conduziu àquele desfecho, mas fez-me confusão. Sim, foi demasiado fantasioso para as minhas preferências. Houve situações em que me ri, dado a quantidade de disparates que ali foram enumerados. Foi horrível perceber a tentativa forçada de incluir a pandemia; a estupidez de dar um final feliz à Ana, aspeto que implica mexer com dados concretos da História de Portugal e o amadorismo que se espelha na forma como os acontecimentos são revelados. Os próprios comportamentos destas últimas páginas reforçam a falta de sensibilidade para colocar no papel a experiência pessoal de quem passa por um evento que lhe altera completamente a vida.
Numa frase, “A rainha desejada” é uma adaptação barata e péssima da série Outlander.
Nota: Não posso deixar de referir um aspeto que me deixou um pouco indignada e justifica o detalhe esta opinião. Penso que nunca escrevi uma opinião tão dura. No início da semana, enviei um e-mail à Telma. Expliquei-lhe o que achei do livro, dei-lhe algumas sugestões de melhoria, enviei-lhes uns links para se informar e o pdf com alguns comentários que fui fazendo ao longo da leitura. A autora revelou uma enorme falta de humildade. Ela afirmou que ia não ler a opinião, porque não queria desanimar agora que a convidaram a escrever um novo livro. Está no seu direito. Porém, senti que desprezou a informação que lhe passei e todas as minhas observações. Não sou uma perita em livros (tenho muito para aprender), mas considero que tenho experiência suficiente para identificar o que é ou não um bom livro. De boa vontade, partilho o que achei e tento dar sempre soluções para uma melhoria dos manuscritos. É óbvio que não espero que aceitem tudo, mas achar que o trabalho está bom e que não precisa de melhorias releva uma falta de humildade atroz. Talvez deva deixar de aceitar estes pedidos e de dar sugestões. Há pessoas que não merecem o nosso tempo nem a nossa bondade.
Classificação
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