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Por detrás das palavras

Poetic Dreams

Quando Vier a Primavera

Quando vier a Primavera, 
Se eu estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera 
passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se eu soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois e amanhã.
Se esse é o tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter 
preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa

Ontem assinalou-se o dia Mundial da Poesia e, como forma de assinalar a data escolhi um dos melhores poetas portugueses, Fernando Pessoa através de um dos meus heterónimos preferidos: Alberto Caeiro.
Fernando Pessoa é (é e não foi porque na minha opinião os grandes escritores nunca morrem) uma figura marcante da literatura portuguesa e que nos ofereceu uma obra rica e múltipla que nos faz viajar pelas palavras. 

A poesia é uma forma de as pessoas se expressarem. Pode ter mais ou  menos sentimento, pode ser mais ou menos extensa, pode falar de amor, da natureza, da amizade... Pode tocar corações, activar as lágrimas, fazer suspirar... A poesia é uma óptima forma de expressão, por isso leiam mais poesia e, principalmente, (re)descubram os grandes poetas portugueses. 

Poetic Dreams

Minha obra
Pinceladas de barro cor da pele cobrem minhas cicatrizes como um carinho
Todas as manhãs antes de me iludir com a vida,
Lavo no escuro adocicado minhas pequena pupilas
e escorrego o sabão nos cílios da pequena boneca
Cubro a alma com uma pitada de lápis nas sobrancelhas finas,
faço-as ficarem bem grossas com o perfil de misteriosa...
Minhas mãos já sabem de cor a forma de cada olheira...
Profundas de tanta chuva que tomou
É como se cobrisse minha alma todas as manhãs,
É como se a mim só eu conhecesse...
Quando estou definitivamente uma pintura de Baquiat
Olho-me no espelho e o que vejo?
Um touro, uma donzela, um insecto, uma traça, um sonho!
Não sei bem se vejo ou deliro, mas crio coragem e abro a porta.
Quase sempre venta e lacrimeja
Coloco a bagagem nas costas
E de costas me olho mais uma vez no espelho
Sim, agora estou pronta!
Mensageiros do destino me perdoem, 
tenho pressa, saiam da frente!
Que meu cansaço derrete meu barro e a escultura cai
Tenho pressa...
minha vida é passageira e meu escudo de pele?
Moldado por cicatrizes

Quando chego em caso,
sento, tiro os sapatos, calço minha essência e choro.
Quando a obra facial se desfaz,
Coloco as mãos sobre o rosto e sorrio,
Acendo uma vela, abro a torneira
E lavo minha alma,
Agora nua.

Bárbara Paz

Ouvi este poema, pela primeira vez no programa "Alta definição". 
Bárbara Paz é uma actriz brasileira que, entre muitas outras circunstâncias da vida, sofreu um acidente aos 17 anos que lhe deixou graves marcas  no rosto (cicatrizes longas e profundas) limitando-lhe o acesso a muitos trabalhos como actriz e como modelo. Desde esse dia, a maquilhagem faz parte da sua vida. Usa-a para esconder as cicatrizes que lhe cobrem o rosto.  Este poema é autobiográfico. Espero que gostem tanto quanto eu gostei.  

Poetic Dreams

Como se fosse pela, esta: a palavra
rolada de carícias de sentidos
a revestir sensível a estrutura
tão funda de pensar se faz presente.
No escavar constante da procura 
dos nervos e do sangue, do impulso
que o faz correr e de repente emerge 
em luz. De crispação contida.
    António de Almeida Mattos, A ilusão do breve

Poetic Dreams

Um dia

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através o mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
                               Sophia de Mello Breyner Andersen  

Poetic Dreams

Escreve-me...

Escreve-me...

Escreve-me! Ainda que seja só 
Uma palavras, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!" Cinco letras pequeninas, 
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavras apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

Florbela Espanca

Poetic Dreams

Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me 
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
passará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

Cecília Meireles, Viagem

Poetic Dreams

Saudade 

Ter saudade 
é vaga disforme de um corpo. 
Ter saudade 
é pássaro que aparece e se apaga 
erguido de confusão 
na angústia, teste dado à natureza 
bruxuleante dentro de mim. 
Ter saudade 
é fingir qualquer coisa que inquieta, 
levantada, desenterrada do crivo da memória. 
Por vezes quando o tempo por ela passa 
não passa o tempo da saudade, 
estátua rígida dum destino anoitecido, 
passa um nada meio acontecido. 
Saudade, 
é filha da alma do mundo 
que de tanto ser outro 
sou eu já. 
Saudade, 
porque viajas cansada 
em horas dentro de mim? 
Saudade 
que vieste até à última força desta linha, 
brumosa da eterna caminhada. 
Sempre que vieres 
sem avisares 
leva-me contigo 
para que a paz volte 
à memória de meu corpo 
como o rio que passa 
no tempo final da minha natureza. 

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

Poetic Dreams

Liberdade

O poema é
A liberdade

Um poema não se programa
Porém a disciplica
- Sílaba por sílaba -
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos

Sophia de Mello Breyner Andersen, in O Nome das Coisas

Poetic Dreams

Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


                          Vinicius de Moraes

UM FELIZ NATAL A TODOS AQUELES QUE POR AQUI PASSAM DEIXANDO UM BOCADINHO DE SI PRÓPRIOS!
?

Poetic Dreams

Silêncio e tanta gente - Maria Guinot

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
É um grito
Que nasce em qualquer lugar


Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um altar aonde não estou


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar

Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão


Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou é um grito
De um amor por acontecer


Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar

Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar

Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão


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